
História do Anglicanismo: das Origens aos Tempos da Reforma
A Igreja Anglicana tem suas raízes na antiga igreja cristã que se estabeleceu nas Ilhas Britânicas ainda nos primeiros séculos do cristianismo. Relatos históricos indicam que o evangelho chegou à Grã-Bretanha por volta do final do século II, através de missionários que difundiram a mensagem cristã em várias regiões. Durante esses primeiros tempos, desenvolveu-se na Grã-Bretanha uma forma de cristianismo independente, conhecida como Igreja Celta, que mantinha práticas distintas e evitava algumas das controvérsias doutrinárias que marcaram o cristianismo em outras partes da Europa.
No final do século VI, Santo Agostinho de Cantuária foi enviado pelo Papa Gregório Magno ao Reino de Kent, no sul da Inglaterra, com o objetivo de converter os anglo-saxões ao cristianismo. Agostinho e seus 40 monges estabeleceram um centro de evangelização em Cantuária e encontraram comunidades de cristãos celtas que já existiam na região. Essa convivência inicial entre a tradição romana, trazida por Agostinho, e a tradição celta resultou em uma rica diversidade de práticas e crenças.
No século VII, com o Sínodo de Whitby, em 664, as tradições celta e romana na Grã-Bretanha unificaram-se, adotando em grande parte as práticas da Igreja Romana. Assim, a Igreja Inglesa consolidou-se como uma instituição cristã com características locais, mas alinhada à Igreja Ocidental. Durante a Idade Média, a Igreja na Inglaterra esteve formalmente sob a autoridade do Papa, embora sempre tenha mantido um certo grau de independência e uma identidade própria, influenciada pela cultura e estrutura monárquica do país.
Reforma e Formação da Igreja da Inglaterra
A ruptura oficial com Roma ocorreu no século XVI, durante o reinado de Henrique VIII. O conflito começou com a recusa do Papa em anular o casamento do rei com Catarina de Aragão, mas rapidamente se transformou em um movimento mais amplo, alimentado por um sentimento de independência nacional e pelo desejo de controlar as questões eclesiásticas internamente. Sob o reinado de Eduardo VI, filho de Henrique, a Igreja da Inglaterra passou por reformas substanciais inspiradas pelas ideias da Reforma Protestante, adaptando-se a uma visão teológica que enfatizava o retorno aos ensinamentos da Bíblia e dos primeiros séculos do cristianismo.
No reinado de Elizabeth I, um acordo religioso foi estabelecido, definindo a identidade da Igreja da Inglaterra como uma igreja “católica e reformada”. Essa identidade particular manteve muitos aspectos tradicionais, como o uso dos credos antigos, a preservação da sucessão apostólica e a continuidade em práticas litúrgicas, ao mesmo tempo em que incorporava elementos da Reforma, como a ênfase nas Escrituras e na pregação.
Consolidação e Desenvolvimento da Igreja Anglicana
O século XVII foi um período de grande tensão para a Igreja da Inglaterra, culminando na Guerra Civil Inglesa. Durante o governo republicano, entre 1649 e 1660, a monarquia e o episcopado foram abolidos, e o Livro de Oração Comum, central na prática anglicana, foi banido. Com a restauração da monarquia em 1660, a Igreja da Inglaterra foi restabelecida como igreja oficial do país.
Ao longo dos séculos seguintes, a Igreja da Inglaterra continuou a se desenvolver e expandir sua influência, tornando-se a igreja mãe de uma comunhão anglicana que hoje se estende por muitos países. A Igreja Anglicana mantém-se como uma tradição cristã que valoriza tanto suas raízes históricas quanto sua capacidade de adaptação, continuando a ser uma igreja “católica e reformada”, presente em diversas culturas ao redor do mundo.
A Reforma Inglesa e as Tradições na Igreja Anglicana
A Reforma Inglesa no século XVI deu origem a três correntes principais na Igreja da Inglaterra: Broad Church (Igreja Ampla), High Church (Igreja Alta) e Low Church (Igreja Baixa).
Igreja Alta: Revitalizada no século XIX pelo Movimento de Oxford, os anglo-católicos da Igreja Alta buscaram restaurar elementos teológicos e litúrgicos pré-Reforma. Aderiram ao uso de imagens, velas, crucifixos, incenso, água benta, invocações aos santos e confissões auriculares. Esse movimento foi fundamental para o renascimento das ordens monásticas anglicanas.
Igreja Baixa: A Igreja Baixa valoriza a simplicidade do culto e um espírito evangélico de evangelização. Com teologia protestante clássica, reconhece elementos católicos como os sacramentos e o episcopado histórico. Os anglo-evangélicos impulsionaram o reavivamento evangélico na Inglaterra e no exterior, com uma forte orientação missionária.
Igreja Ampla: Inicialmente minoritária, a Igreja Ampla desempenhou um papel de equilíbrio entre o ritualismo anglo-católico e a simplicidade evangélica. Atualmente, muitas paróquias anglicanas seguem essa tradição moderada.
Teologia Anglicana e o Tripé Escritura-Tradição-Razão
O Anglicanismo é caracterizado por sua flexibilidade teológica. Como igreja não-confessional, permite-se discordar em questões não-essenciais da fé, orientada pelos credos históricos. Sem um único reformador ou teólogo central, a tradição anglicana valoriza contribuições de cristãos ao longo da história, não apenas anglicanos.
A teologia anglicana se apoia no tripé Escritura-Tradição-Razão, um equilíbrio necessário para discernir a orientação do Espírito Santo para a Igreja.
Uma Comunhão Internacional
Com a colonização da América, a Igreja da Inglaterra foi estabelecida em diversas colônias como Igreja Estatal. Após a independência dos Estados Unidos, a Igreja Anglicana americana tornou-se uma denominação independente, adotando o nome Igreja Episcopal. Esse movimento levou ao desenvolvimento de uma Comunhão Anglicana internacional – uma família de igrejas em comunhão histórica com a Igreja da Inglaterra e a Sé de Cantuária, que hoje abrange 46 igrejas nacionais ou regionais em mais de 165 países, totalizando aproximadamente 90 milhões de membros.
Instrumentos de Comunhão Anglicana
A Comunhão Anglicana possui três principais instrumentos de comunhão:
Conferência de Lambeth: encontro decenal dos bispos anglicanos, realizado pela primeira vez em 1867.
Encontro dos Primazes: reunião regular de arcebispos e bispos primazes das províncias, iniciada em 1979.
Conselho Consultivo Anglicano: órgão representativo que inclui bispos, clérigos e leigos, reunido pela primeira vez em 1971.
O Arcebispo de Cantuária, atualmente Justin Welby que renunciou no mês de novembro de 2024, é o foco de unidade para esses três instrumentos, promovendo a integração entre as diferentes igrejas anglicanas.

História da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB)
A presença anglicana no Brasil remonta a 1810, com capelanias inglesas. No entanto, a missão voltada aos brasileiros iniciou-se em 1890, com os missionários americanos Lucien Lee Kinsolving e James Watson Morris. O primeiro culto ocorreu em 1º de junho de 1890, em Porto Alegre. Posteriormente, outros missionários se juntaram ao trabalho, expandindo a igreja para cidades como Santa Rita do Rio dos Sinos, Rio Grande e Pelotas, que se tornaram centros de desenvolvimento da IEAB.
Desde o princípio, a IEAB contou com o apoio de brasileiros como Vicente Brande e Antônio Machado Fraga, que auxiliaram na fundação de capelas e na propagação do Evangelho.
Desenvolvimento do Ministério Episcopal
Em 1899, Lucien Lee Kinsolving foi consagrado como o primeiro bispo da IEAB. A igreja foi consolidada como distrito missionário em 1907 e, em 1950, foi dividida em três dioceses. Com a criação da Diocese Meridional, Diocese Sul-Ocidental e Diocese Central (hoje Diocese Anglicana do Rio de Janeiro), a IEAB passou a ter uma estrutura eclesiástica mais organizada.
Em 1965, a IEAB tornou-se a 19ª província da Comunhão Anglicana, ganhando autonomia administrativa. A independência financeira foi alcançada em 1982, e novas dioceses foram criadas desde então.
Inclusão e Expansão
A IEAB começou a ordenar mulheres em 1985, e atualmente cerca de 40% do clero é composto por mulheres. A igreja possui mais de 150 comunidades em todo o Brasil, atendendo às necessidades espirituais, educacionais e sociais de seus membros em todas as regiões. Em 2018 a IEAB elegeu Marinez Bassotto a primeira mulher Bispa diocesana.
IEAB no Alto Uruguai
Em 1908, a história da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) em Santa Catarina começa com a chegada de Agenor Ferreira, originário de Viamão/RS, à comunidade de Colônia Trinta e Sete Passos/SC, onde estabeleceu o primeiro ponto de pregação da Igreja Episcopal em terras catarinenses, chamado Agnus Dei. Junto com João Corrêa da Silva, Agenor Ferreira tornou-se catequista leigo, e ambos contribuíram para o crescimento da Igreja em condições adversas, realizando todo o trabalho missionário a cavalo. Em junho de 1912, várias famílias anglicanas – Hemming, Zschornack, Jassnicker, Kasburg e Guiloff – chegaram à margem direita do Rio do Peixe, em Santa Catarina, vindas de Santa Helena, Pelotas/RS. Eles organizavam orações vespertinas em suas casas, fortalecendo a comunidade anglicana local. No final de 1912, o Rev. Henrique Zschornack, da Diocese Meridional, veio pela primeira vez celebrar a Eucaristia na comunidade de Trinta e Sete Passos.
O bispo Lucien Lee Kinsolvin supervisionou o desenvolvimento da Igreja na região Meio-Oeste de Santa Catarina, com o Rev. Zschornack e depois o Rev. Alberto Blank, que residia em Erechim/RS e vinha de trem para celebrar para as famílias anglicanas. Após a saída do Rev. Zschornack para o Paraná, o catequista Francisco Jassnicker foi ordenado diácono em 1938 e assumiu o trabalho pastoral ao lado do Rev. Frederico Zschornack. Com a morte de Jassnicker, o Rev. João Vicente Vieira de Aguiar assumiu brevemente, seguido pelo Rev. Adalberto Hartwig, que residiu em Concórdia até 1976. Depois, o Rev. Walter Dias Teixeira e outros párocos residentes em Erechim/RS atendiam a região.
Ao longo dos anos, a IEAB na região teve diversos líderes e desenvolveu vocações locais. Em 1966, o Rev. João Victorino Fernandes Fortes, ordenado e reitor da Paróquia de Jesus Cristo em Erechim/RS, passou a atender a região mensalmente. Em 1986, o ministro leigo Flávio de Oliveira foi ordenado diácono pelo Bispo Olavo, tornando-se o primeiro pároco residente em muitos anos e promovendo o crescimento da Igreja na região. Duas vocações locais ao ministério ordenado, Flávio e Noilves, surgiram desse trabalho missionário.
No período de 1916 a 1992, diversos bispos visitaram a região, apoiando o desenvolvimento das comunidades. O primeiro bispo a visitar foi Lucien Lee Kinsolvin, seguido por Dom William Mathew Merrick Thomas, Dom Athalicio Teodoro Pithan e Dom Egmont Machado Krischke, que visitavam a comunidade de Alto Periquito em Concórdia/SC. De 1976 a 1992, o Bispo Olavo Ventura Luiz realizou visitas frequentes e fez a primeira ordenação local, do Rev. Flávio de Oliveira, na Comunidade de Barra do Tigre (Paróquia São Mateus). Sob o episcopado do bispo Jubal Pereira Neves, de 1993 a 2010, ocorreram duas ordenações ao diaconato, das Revdas. Noilves Rosa da Silva e Lúcia Dal Pont.
A trajetória da presença pastoral da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil na região de Santa Catarina ao longo dos anos contou com diversos líderes dedicados. Em 1995, a Revda. Noilves foi ordenada ao diaconato na Paróquia de Jesus Cristo em Taquaral e assumiu o atendimento da região, onde permaneceu até 2002. Durante esse período, entre os anos 2000 e 2002, ela contou com o apoio do missionário Nicolas, que trabalhou ao seu lado no atendimento das comunidades.
Em 2003, o ministro pastoral Valdir Grade atendeu interinamente a área pastoral de Concórdia. Nos anos seguintes, de 2004 a 2008, o Revdo. Luiz Sirtoli foi o responsável pelo atendimento pastoral da mesma região. A partir de 2006, a Revda. Lúcia Dall Pont também se uniu à equipe, atendendo especificamente a área de Concórdia, enquanto o Revdo. Flávio atendia a área de Ipira.
De 2009 a 2013, o Revdo. Márcio Junglos passou a atender a área de Concórdia, com o Revdo. Flávio continuando seu trabalho em Ipira. Esse período marcou a continuidade e o fortalecimento do atendimento pastoral na região, com as lideranças locais se dedicando a manter a missão anglicana viva em Santa Catarina.
Em 2011, o Bispo Francisco de Assis da Silva assumiu a Diocese Sul Ocidental e passou a atender pastoralmente as 28 comunidades da região do Alto Uruguai. Em 2014, o Rev. Jordan Brasil dos Santos foi ordenado presbítero e, no mesmo ano, o Rev. Márcio Junglos retornou brevemente à região. Em 2015, o Rev. Flávio sofreu um acidente fatal, deixando um vazio profundo. Desde então, o Rev. Jordan e a Revda. Noilves assumiram a liderança pastoral da região. Em 2016, o postulante Ubirajara Mello chegou à região e foi ordenado em 2017.
Em 2019, a Revda. Gessi Datsch Rodio e o Rev. Valdir Grade foram ordenados diáconos na Paróquia Agnus Dei, em Vila União. Em junho de 2021, a Revda. Carmen Suzana Bayon foi ordenada diácona na Paróquia Agnus Dei, em Alto Bela Vista. Sua ordenação ocorreu ali devido ao fechamento e leilão do templo e da casa pastoral da Paróquia de Jesus Cristo em Erechim, onde ela residia.
Em 2023, a Revda. Carmen e o Rev. Valdir foram ordenados presbíteros pela Bispa Marinez Bassotto, bispa Primaz da IEAB, na Paróquia Cristo Salvador, em Rio Branco, Itá, em uma celebração com mais de 440 pessoas.
Em 27 de julho de 2024, o concílio da Diocese Sul Ocidental votou um projeto de emancipação financeira para a região do Alto Uruguai, que compreende o Alto Uruguai Gaúcho e o Oeste catarinense. Esse projeto visa alcançar a autonomia financeira até o Sínodo de 2026, quando a região apresentará o projeto de criação de um distrito ao Sínodo Provincial. Até lá, a região segue ligada à Diocese Sul Ocidental, sob o acompanhamento pastoral de um grupo de trabalho da Câmara Episcopal, composto pela Bispa Primaz Marinez Bassotto, a Bispa Meriglei Borges e o Bispo Humberto Maiztegui.
Esse desenvolvimento histórico demonstra o comprometimento das comunidades e lideranças locais em fortalecer a presença da IEAB no Alto Uruguai, mantendo viva a missão e tradição anglicana que começou em Santa Catarina no início do século XX.
No que Cremos?
Doutrinas Básicas
A Igreja Anglicana expressa sua fé nos credos históricos do cristianismo – o Credo Apostólico e o Credo Niceno – que unem os cristãos em uma só confissão de fé. Esses credos são o alicerce que guia nossa crença e prática até hoje.
Escrituras e Tradição
Para nós, as Sagradas Escrituras contêm tudo o que é necessário para a salvação, sendo nossa principal regra de fé. A tradição cristã também é valorizada, pois inclui as contribuições dos santos e pensadores ao longo dos séculos, além da liturgia e das práticas devocionais que enriquecem a nossa vida espiritual.
O Espírito Santo e a Busca pela Verdad
Cremos que o Espírito Santo guia a Igreja e seus membros na busca pela verdade. Reconhecemos o valor do estudo e da pesquisa em todos os campos do conhecimento humano, confiando que Deus nos deu a razão para compreender Sua mensagem e aplicá-la na vida. Assim, mantemos a mente e o coração abertos para aprender e crescer na fé.
O Quadrilátero Anglicano
A fé anglicana é sustentada por quatro pilares, conhecidos como o Quadrilátero de Chicago-Lambeth, que define princípios essenciais para a vida e a missão da Igreja:
Escrituras Sagradas: Velho e Novo Testamentos, contendo tudo o que é necessário para a salvação.
Credo dos Apóstolos e Credo Niceno: declarações de fé que unem os cristãos.
Sacramentos: O Batismo e a Eucaristia, instituídos por Cristo, e outros atos sacramentais, como Confirmação, Penitência, Ordem, Matrimônio e Unção dos Enfermos.
Episcopado Histórico: A sucessão apostólica, adaptada localmente às necessidades dos povos e contextos.
O Método Anglicano de Fazer Teologia
A teologia anglicana não é caracterizada por um sistema rígido, mas sim por um método inclusivo, conhecido como a “via média”. Esse método busca um equilíbrio, valorizando o essencial da fé enquanto acolhe a diversidade de expressões e interpretações.
Tradição e Modernidade
Desde o início, o Anglicanismo se comprometeu com a continuidade da tradição cristã, mas também com a renovação da fé para responder aos desafios contemporâneos. Buscamos ser uma Igreja enraizada na tradição e, ao mesmo tempo, aberta para novas interpretações e perguntas, sempre fundamentadas nas Escrituras e na tradição apostólica.
Um Jeito Amplo e Inclusivo de Ser Igreja
Dentro da Comunhão Anglicana, há uma rica diversidade. Algumas comunidades celebram a fé com solenidade, enquanto outras o fazem de forma mais simples e intimista. Há lugar para o catolicismo e o protestantismo em nossa prática, refletindo a abertura e o respeito pelas diferentes expressões da fé em Cristo
Uma Igreja Viva e em Missão
O anglicanismo valoriza tanto a tradição quanto o envolvimento com a sociedade atual, comprometendo-se com a missão de espalhar o Evangelho e promover a justiça e a paz. Nosso objetivo é seguir o exemplo de Jesus, trazendo cura, esperança e reconciliação ao mundo.
Seja você quem for, há um lugar para você na mesa do Senhor. Cremos que todos são convidados a participar do amor e da graça de Deus revelados em Cristo.
Fontes: Site da IEAB, Comunhão Anglicana, e fontes locais
Links importantes:
IEAB: https://ieab.org.br
Comunhão Anglicana: https://www.anglicancommunion.org
Igreja da Inglaterra: https://www.churchofengland.org
Centro de Estudos anglicanos: https://www.centroestudosanglicanos.com.br/portal